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Tudo o que precisa de saber sobre insolvência

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Contrair dívidas e não ser capaz de as pagar é um dos piores pesadelos para muita gente. Infelizmente, esta situação pode acontecer, sobretudo em períodos de crise económica acentuada, motivada pelo aumento do desemprego entre outros fatores. Quando o sobreendividamento assume proporções impossíveis de gerir, há uma ferramenta a que se pode recorrer – o pedido de insolvência – que ajuda a conseguir um novo recomeço de vida com menos dívidas. Ainda assim, as consequências que esta opção acarreta devem ser ponderadas com cuidado, devido às implicações na vida do devedor.

Os pedidos de insolvência por parte de pessoas singulares têm vindo a tornar-se cada vez mais comuns e, de acordo com dados oficiais da Direção-Geral da Política de Justiça, se compararmos o primeiro trimestre de 2007 com o período homólogo de 2021, verificamos que o peso das insolvências das pessoas singulares mais do que quadruplicou (de 16,9% em 2007 passou-se para 72,5% em 2021), o que deixa perceber a situação económica difícil que tem vindo a ser enfrentada pelos portugueses.

Antes de mais, o que importa reter é que o pedido de insolvência deve ser o último recurso de quem contraiu dívidas a que não consegue dar resposta. Ou seja, só depois de tentar, por todas as vias, negociar com os bancos e credores – e se não houver saída possível – é que se deve pensar na insolvência como solução.

Vai precisar de um advogado

A insolvência deve ser requerida por escrito ao tribunal da zona de residência do devedor e tal deve ser feito por um advogado. Quem não tiver meios económicos para tal, pode recorrer à proteção jurídica garantida pela Segurança Social, disponível para situações muito específicas, nomeadamente o pedido de insolvência.

Insolvência pessoal – o que é?

Quando alguém – neste caso, uma pessoa singular – acumula dívidas num valor total que ultrapassa os seus rendimentos, ficando impossibilitado de fazer face aos seus compromissos perante os credores – e depois de ter esgotado todas as possibilidades de negociação com estes – a legislação portuguesa permite que seja considerado insolvente.

Segundo o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, também designado Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) (que inclui informação aplicável à insolvência pessoal), podem ser objeto de processo de insolvência “quaisquer pessoas singulares ou coletivas”, sendo que, de acordo com o artigo 3.º do mesmo diploma, “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”.

Quais são os requisitos para a insolvência singular?

Podem pedir insolvência as pessoas singulares que:

  • Não exploraram qualquer empresa nos últimos três anos;
  • Não apresentam dívidas laborais;
  • Não devem a mais de 20 credores;
  • A dívida (passivo global) não excede os 300 mil euros.

Há obrigatoriedade de apresentação à insolvência?

Não, as pessoas singulares não têm o dever de se apresentar à insolvência. Todavia, este é o caminho que lhes irá permitir aceder a soluções que poderão ajudar a ultrapassar a situação difícil que atravessam e até a conseguir um novo recomeço, nomeadamente, o “plano de pagamento das dívidas” ou a “exoneração do passivo restante”, que explicamos de seguida. Estes mecanismos, previstos no CIRE, foram criados especificamente para apoiar em caso de insolvência pessoal.

Em que consiste o plano de pagamento das dívidas?

Quando é entregue ao tribunal a petição destinada a dar início ao processo de insolvência, é possível apresentar-se desde logo um plano de pagamento das dívidas aos credores. No fundo, como o próprio nome indica, trata-se de um plano que prevê como e quando a dívida será paga, permitindo a sua renegociação. Este mecanismo é especialmente indicado para quem dispõe de algum rendimento, ainda que o mesmo seja insuficiente para fazer face à totalidade das dívidas. Tem como grande vantagem o facto de o devedor poder continuar a administrar os seus bens, ou seja, o tribunal não determina a sua venda. No entanto, para que esta seja a via seguida, terá de haver aceitação por parte de todos os credores e homologação do juiz.

Outro aspeto relevante a ter em conta é que se este for o mecanismo escolhido e aceite pelo tribunal e credores, a pessoa que pede a insolvência não poderá, mais tarde, pedir a exoneração do passivo restante, devendo honrar o plano combinado.

O que significa a exoneração do passivo restante?

Outra possibilidade passa por requerer a exoneração do passivo restante. Este é um mecanismo que visa conceder a oportunidade de atenuar as responsabilidades do devedor perante os credores, com vista a possibilitar-lhe que se reerga, reconstruindo a sua vida sem o peso das dívidas acumuladas. No entanto, isto não acontece de forma simples ou automática, nem – note-se bem – todas as dívidas são anuladas.

Desde logo, após a declaração de insolvência, o tribunal nomeia um administrador de insolvência, que será a pessoa responsável por proceder à venda dos bens do devedor, como a casa ou o carro, distribuindo o valor obtido pelos credores. A este propósito, é de destacar que todas as penhoras ou outras ações executivas que existam sobre os bens da pessoa insolvente ficam suspensas.

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O administrador de insolvência (que depois passa a designar-se fiduciário) é também a pessoa responsável pela gestão dos rendimentos do devedor ao longo de cinco anos (o chamado período de cessão), entregando-lhe apenas uma “mesada” estipulada pelo tribunal (ver pergunta seguinte) e encaminhado o valor restante para liquidar a dívida dos credores. De salientar que, durante este período, o insolvente perde o direito sobre todos os ganhos que possa vir a receber, nomeadamente, heranças ou outros.

No final daquele período de cinco anos, se o devedor tiver cumprido todas as suas obrigações e mantido uma boa conduta, poderá ser-lhe concedida a exoneração do passivo restante, ou seja, o perdão da dívida que ainda não tenha sido liquidada. Saliente-se que este perdão não é uma garantia dada à partida, mas dependerá de avaliação posterior. Além disso, de fora desta absolvição ficam sempre as dívidas às Finanças e à Segurança Social, bem como multas, coimas, indemnizações e pensões de alimentos, as quais terão de ser sempre integralmente pagas pelo devedor.

Em caso de exoneração do passivo restante, como sobrevive a pessoa?

O juiz irá apreciar a situação da pessoa e avaliar os seus rendimentos, estipulando que esta possa aceder a uma quantia mensal, considerada a necessária para o seu sustento mínimo e condigno, bem como do seu agregado familiar, e de forma a permitir também o exercício da sua atividade profissional. Contudo, este valor não poderá ser superior a três vezes o ordenado mínimo nacional, a não ser que o juiz decida e justifique o contrário.

Pode um casal apresentar-se em conjunto à insolvência?

Depende do regime. Se estiverem casados em comunhão geral de bens ou em regime de adquiridos, o casal pode pedir em conjunto a insolvência pessoal, desde que cumpra os requisitos estipulados para as pessoas singulares. Se o regime do matrimónio for outro, terão de dar início a processos de insolvência independentes.

Quanto tempo demoram os tribunais a decretar a insolvência?

Qualquer processo de insolvência tem um caráter urgente e “goza de precedência sobre o serviço ordinário do tribunal”, ou seja, continua a correr mesmo durante as férias judiciais, além de que é prioritário face a outros processos. A reforçar este facto, o juiz dispõe de apenas três dias úteis para apreciar o pedido, recusando-o ou dando um prazo de cinco dias úteis para a correção de algum requisito (artigo 27.º do CIRE). Ainda assim, o prazo médio aproximado será de dez a 15 dias desde a entrega da petição inicial até à pronúncia da sentença de declaração de insolvência, e 80 dias (prazo previsto na lei) desde a sentença de declaração de insolvência até ao despacho inicial de exoneração do passivo restante, o qual determina o início da contagem do período de cessão de cinco anos e o encerramento do processo de insolvência.

Insolvência fortuita ou culposa. A distinção faz diferença?

Faz diferença, sim. A insolvência é classificada como fortuita quando se conclui que a mesma aconteceu casualmente, isto é, devido a circunstâncias mais ou menos imprevisíveis ou que o devedor não conseguiu controlar. Já a insolvência culposa observa-se quando a situação foi criada ou agravada em consequência da ação intencional ou gravemente negligente do devedor. Esta distinção é muito importante e tem consequências sérias, já que a exoneração do passivo restante, ou seja, o perdão da dívida findos os cinco anos, pode ser recusada se, entretanto, se tiver concluído que o devedor teve culpa na criação ou agravamento da situação de insolvência.

Quais são as consequências da insolvência?

Desde logo, e como referido antes, a pessoa insolvente fica, na generalidade dos casos, impedida de gerir o seu património, rendimentos e contas bancárias. Da mesma forma, os seus bens poderão ser vendidos por determinação do tribunal, com vista ao pagamento das dívidas. Além disso:

  • O nome do devedor fica inscrito na designada “lista negra” do Banco de Portugal;
  • É obrigado a manter um emprego remunerado, ficando impedido de se despedir e, em caso de desemprego, deve procurar emprego rapidamente;
  • O estado de insolvência é publicado em Diário da República e também tornado público, através de edital afixado no seu local de trabalho e no tribunal;
  • Deve manter o tribunal e o fiduciário (a pessoa que fica a gerir o processo ao longo dos cinco anos) informados sobre alterações de residência ou de condições de trabalho;
  • Não pode fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência nem criar quaisquer vantagens para algum deles à margem do fiduciário, que é quem tem a responsabilidade de cumprir os pagamentos aos credores ao longo dos cinco anos.